A Porsche mal podia acreditar. Neel Jani, que dividiu um 919 com Romain Dumas e Marc Lieb, passou por ele e foi receber a bandeirada em primeiro lugar para dar à montadora alemã a 18ª vitória em Sarthe, a segunda consecutiva.
Depois de parar na reta dos boxes, Nakajima ainda conseguiu fazer o carro funcionar outra vez e contornou os últimos 13,6 km para chegar em segundo lugar. Certo? Não. A princípio, a direção de prova deu o #5 como ‘não classificado’. O regulamento diz que os carros precisam terminar a prova até seis minutos após o vencedor, e 11 se passaram até o TS050 voltar. O segundo posto ficou para Stéphane Sarrazin, Kamui Kobayashi e Mike Conway, e o brasileiro Lucas Di Grassi subiu para o último lugar do pódio com Loïc Duval e Oliver Jarvis.
A história do automobilismo tem diversas passagens que foram cruéis com os envolvidos em situações semelhantes. Não é a primeira, tampouco a última, que alguém vai perder uma vitória certa nos últimos metros. Para citar um caso recente, JR Hildebrand nas 500 Milhas de Indianápolis. A dor que toda a Toyota sente neste momento, que sentem Nakajima, Anthony Davidson e Sébastien Buemi, é impossível de se descrever. Literalmente impossível, como disse o britânico. Kazuki, coitado, sentou no chão entre os carros se lamentando e tendo de ouvir, ao fundo, a festa alemã.
Essa é uma corrida cruel. O pior de tudo? Será preciso esperar um ano para enfrentar novamente o tamanho trauma.
A 84ª edição das 24 Horas de Le Mans seria um dos ‘clássicos’ da prova pelo modo que se deu a disputa pela vitória. Mas o mais famoso clichê do automobilismo faz com que ela se torne simplesmente inesquecível: corridas são corridas, e só acabam na bandeirada.
A primeira parte da prova
Com a pista secando, a prova começou a se desenhar de maneira bem interessante. A Porsche não tinha um bom ritmo e rapidamente foi alcançada tanto pela Toyota, quanto pela Audi. Mike Conway assumiu a liderança e Loïc Duval partiu para ser terceiro. As três montadoras nas três primeiras posições. Podia ter coisa melhor?
Foi este trio que seguiu na perseguição ao #6 até o início da nona hora da corrida. O golpe veio na forma de um problema na bateria, e foram mais de 20 minutos nos boxes. Por sorte, um safety-car colaborou. A segunda intervenção da corrida, para que pedaços de carro fossem retirados da pista, diminuiu o ritmo do pelotão enquanto o 919 #1 era consertado. Tudo para Hartley sair dos boxes e ver o motor praticamente apagar em plena Mulsanne. Foi uma longa volta de retorno aos boxes. E dolorosa: era o fim das esperanças. A propósito, a Porsche foi a Le Mans com as baterias de 2015 após problemas nas 6 Horas de Spa com a versão de 2016.
Na sequência, a opção da Toyota por parar o #6 com bandeira verde para fugir do tráfego permitiu a aproximação tanto do Porsche #2 quanto do TS050 #5. Um stint quádruplo de Neel Jani com o mesmo jogo de pneus foi fundamental para recolocar o #2 na briga pela liderança. Assim o palco ficou pronto para o que viria na segunda parte da prova.
Os problemas da Audi
As chances do #7 começaram a ir por água abaixo ainda nos primeiros minutos, quando o turbo precisou ser trocado. Fora isso, nos primeiros três quartos da corrida, houve uma outra questão: a Audi não tinha velocidade. Era como se estivesse no papel da Toyota de 2015, mera coadjuvante. Enquanto as melhores voltas dos rivais chegavam a 31min21s, os R18 viravam apenas 3min23s.
Na fase intermediária da prova, os dois carros ainda tiveram de parar devido a problemas com os painéis laterais e com furos de pneus que vieram bem fora de hora. Resutado: o #8 perdeu duas voltas; o #7 caiu para 12 de desvantagem e virou cobaia, sendo modificado várias vezes para que se ensaiassem possíveis mudanças a serem feitas no protótipo de Di Grassi, Duval e Jarvis.
A reação só foi ser esboçada com sete horas para o final, quando Di Grassi e Duval conseguiram pisar fundo e atingir tempos competitivos em relação aos líderes. Em meio aos safety-car e às slow-zones que se sucederam no amanhecer francês, uma volta foi recuperada. A qualquer momento, havia a chance de o #8 cair novamente na volta do líder, e, aí, o macacão da Audi é daqueles que entorta varal.
Uma prova do WEC
As 24 Horas de Le Mans chegaram às seis horas finais com a disputa completamente aberta entre as três montadoras da LMP1. Como gostam de dizer no futebol hoje em dia, a Toyota tinha ‘vantagem numérica na zona da bola’, com seus dois carros inteiros na batalha contra apenas um de Porsche e Audi.
Este, inclusive, foi um fator que pesou contra os japoneses nos últimos anos: os alemães sempre iam a Sarthe com três máquinas. Neste ano, as duas reduziram a operação para dois carros por causa do ‘dieselgate’, o escândalo de fraude em testes de emissão de carbono que estourou dentro do Grupo Volkswagen.
Mesmo assim, com os pit-stops intercalados em termos de trocas de pilotos e de pneus, a Porsche por vezes tomava a dianteira. E se a autonomia da Toyota era melhor, o 919 ocasionalmente fazia 14 voltas em um stint ou, então, partia para quatro stints com o mesmo jogo de pneus.
A Audi pediu água a 4h18min do fim, quando Jarvis de repente ficou devagar no meio da pista e foi calmamente retornando para os boxes. Era o eixo dianteiro, e foram perdidos praticamente 40 minutos.
Para o #6, a necessidade de parar para consertar problemas na carenagem custou quatro voltas. Para os últimos 150 minutos das 24 horas, virou um mano a mano: Buemi/Davidson/Nakajima contra Jani/Dumas/Lieb.
E o #5 tranquilamente tomou conta da corrida. Davidson entregou o carro para o japonês Nakajima levar a montadora que tanto apostou em sua carreira à glória em Le Mans. Até que, a seis minutos do fim, em meio à reta Mulsanne, o carro apareceu lento. Mesmo pisando até o talo no acelerador, Nakajima estava a menos de 200 km/h. A vantagem de um minuto se esvaiu com a parada na reta dos boxes, na abertura da última volta. Jani chegou, passou e contornou a volta final para vencer.
Nessa hora, vale muito lembrar do tuíte publicado pela Toyota a meia hora do fim da corrida, que valeria para a vitória e que vale ainda mais para o desastre que ocorreu.
Nelsinho Piquet: com a Rebellion enfrentando problemas de embreagem desde o início, a prova do brasileiro foi bem difícil. Ainda na primeira hora o carro #12 foi aos boxes, e foi preciso fazer paradas longas mais vezes ao longo da disputa. Ainda assim, o trio de Nelsinho com Nicolas Prost e Nick Heidfeld faturou a vitória entre as equipes independentes.
LMP2: com um trio bem acima da média da categoria, a Signatech Alpine simplesmente dominou com o carro #36. Nicolas Lapierre, que já foi da Toyota na LMP1, Stéphane Richelmi e Gustavo Menezes, jovem de 21 anos, assumiram a ponta bem antes de a metade da prova ser alcançada. Nas 12 horas finais, sequer foram ameaçados: apenas viram rivais eliminados por diversos incidentes. Pierre Thiriet, por exemplo, perdeu a segunda posição ao bater sozinho na curva Mulsanne. Depois disso, mais ninguém chegou perto.
Os brasileiros tiveram atuações discretas. Ozz Negri e Bruno Senna terminaram em nono e décimo na LMP2, respectivamente, Pipo Derani foi o 16º colocado.
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